segunda-feira, 25 de outubro de 2010

TEXTO - O ESPAÇO GEOGRAFICO COMO SISTEMA TÉCNICO

O espaço geográfico como sistema técnico

As diversas habilidades humanas concretizadas pelo saber-fazer de cada um de nós foram classificadas ao longo do tempo como "técnica". Originária do termo grego tekhné, "técnica' refere-se à capacidade de atuar na vida social, nos seus mais diferentes aspectos - tanto no que se refere à sustentação material da vida, exemplificada pela produção, quanto em relações sociais, como atividades artísticas, culturais ou esportivas. As técnicas permeiam a vida social no seu conjunto, desde o momento em que se formaram as primeiras sociedades. Assim, as técnicas são elementos componentes e constituintes das sociedades.
Historicamente, as técnicas antecederam as ciências. Uma de suas principais características é constituir-se em objetos. Vale a pena lembrar que objeto não é simplesmente uma determinada coisa. O sentido aqui atribuído ao termo refere-se a tudo o que é concebido pelo ser humano para ter uma função. Se você procurar a definição de "objeto" em um dicionário, encontrará a seguinte explicação: toda coisa material que pode ser apreendida pelos sentidos. E todos os objetos são feitos com o uso de técnicas. Portanto, todos os objetos são técnicos.
Com base nessas definições, pode-se concluir que o espaço geográfico é constituído de uma grande quantidade de objetos técnicos. Uma estrada é um objeto técnico, assim como uma indústria também o é (ou, melhor ainda, é um conjunto coerente de objetos técnicos).
Ao aprofundar um pouco mais a reflexão sobre os resultados da presença de objetos técnicos no espaço geográfico, concebe-se este como espaço relativo, opondo-se à idéia de espaço absoluto. Ao contrário do espaço absoluto, o espaço relativo não é um vazio ou extensão que vai sendo preenchido e que tudo contém. Inspirado nas teorias relativistas de espaço de Leibniz e de Einstein, por exemplo, ele é tido como concreto, onde a matéria está sempre presente - mesmo que só na forma de energia - e em constante mutação. Deriva daí a idéia de que o espaço está em expansão, e de que suas leis variam conforme a relação entre as coisas materiais que o constituem. Logo, as coisas materiais estão em interação, e não apenas ocupando um lugar no espaço.
Assim, transportando a concepção de espaço relativo para o campo da Geografia, pode-se dizer que os objetos técnicos introduzidos no espaço geográfico passam a constituí-lo, e não apenas ocupam lugares. Um exemplo: a introdução de uma usina hidrelétrica em uma área qualquer de um espaço muda as relações existentes entre todos os objetos que o compunham anteriormente. Agora esse espaço não pode mais ser entendido sem a usina hidrelétrica. O espaço geográfico dessa área contém uma usina hidrelétrica e todas as modificações ocasionadas por ela. Desse modo, a usina não é um objeto externo ao espaço geográfico; ela não está no espaço, ela é espaço. Esse raciocínio é de fundamental importância para que se compreenda o mundo em que vivemos.

Meio técnico-científico-informacional

Em muitos casos, os termos "técnica" e "tecnologia" são utilizados como sinônimos. Porém, eles não são a mesma coisa e, portanto, é fundamental fazer essa distinção. Diferentemente de "técnica", o termo "tecnologia" resulta da junção das palavras gregas tekhné e logos. Considerando apenas o termo tekhné, o seu sentido estará restrito às habilidades manuais, ou seja, ao saber-fazer. Com a inclusão do logos, que significa discurso ou pensamento organizado, o termo "tecnologia" sugere o pensamento organizado sobre as técnicas. Mas, como a maioria dos conceitos, a tecnologia teve diversos significados ao longo da história. Hoje essa palavra nos remete à eletrônica, à informática, a satélites, a robôs e a outras coisas do gênero. Muitos adjetivos são adicionados para qualificá-Ia ­tecnologia de ponta, limpa, alternativa, destrutiva e outras. Mas o que é de fato tecnologia?
Para o historiador brasileiro Ruy Gama, a tecnologia pode ser considerada uma forma científica de sistematizar os conhecimentos relacionados às técnicas. Existe no mundo moderno um desenvolvimento de técnicas que resulta da ciência institucionalizada (pesquisa científica sistematizada), Logo, na atualidade, a ciência, mudando o curso da história, vem antes da técnica. A tecnologia não deixa de ser técnica, mas sua origem está intimamente ligada à pesquisa científica.
De forma resumida, as técnicas são um saber-fazer aprendido na prática e transmitido de geração a geração ao longo da vida cotidiana, enquanto as tecnologias representam um saber vinculado à ciência moderna.
Destacamos no início deste texto que o espaço geográfico é, em grande medida, constituído por objetos técnicos. Pode ser considerado um meio técnico. Ocorre que esses objetos técnicos podem ser produto tanto da técnica no sentido restrito como das tecnologias modernas. O predomínio de um tipo de objeto sobre outro, ou melhor, a trama que resulta desse conjunto de objetos técnicos de origem distinta é uma das bases explicativas das diferenças regionais.
Á virada do século XX para o XXI constituiu-se um momento único e especial da história da humanidade, pois foi a primeira vez que o planeta, em sua totalidade, passou a se apresentar aos nossos olhos de forma simultânea. O ser humano adquiriu a possibilidade de conhecer melhor o conjunto dos recursos naturais e de acompanhar as transformações em todos os territórios quase no mesmo instante em que elas estão acontecendo.
Esse quadro inédito de conhecimento deve-se ao fato de o espaço geográfico estar recebendo cada vez mais objetos tecnológicos, organizados como sistemas articulados e dependentes entre si. Assim se faz, por exemplo, o sistema tecnológico de telecomunicações, estruturado com base em um conjunto complexo de aparelhos e instalações que vão até a órbita terrestre (e que inclui cabos marítimos e terrestres, torres de transmissão, satélites etc.). A própria atmosfera está hoje ocupada e controlada pelo engenho técnico humano, como mostra a imagem dos detritos espaciais em volta da Terra.

Portanto, o conhecimento global do planeta é um dos aspectos-chave na virada do século. Ele se harmoniza com outros elementos de nossa época, tais como a globalização - marcada pela transnacionalização de setores hegemônicos da economia e dos territórios (espaços globalizados) e por um extraordinário aumento da escala geográfica das relações humanas. Todos esses fenômenos se ancoram em uma verdadeira revolução técnico-científica, que vem se generalizando intensamente após a 2ª Guerra Mundial. Por intermédio das empresas transnacionais e de alguns países, valores maciços de capital são investidos na pesquisa científica, com o objetivo de aplicar seus resultados no sistema produtivo e em todos os seus subsistemas de apoio. São exemplos: o conhecimento das fontes de matérias-primas, o controle das informações, das comunicações e dos transportes etc. É por essa razão que podemos afirmar que estamos vivendo um período técnico-científico.
O sistema produtivo global baseado nas tecnologias modernas induz uma organização do espaço geográfico com grande conteúdo técnico-científico. A característica essencial desses espaços com grande conteúdo técnico-científico é sua capacidade de se articular a pontos territoriais das empresas localizadas em outros extremos do planeta. Logo, passam a ser capazes de emitir e receber informações estratégicas de todos os tipos - científicas, financeiras, políticas etc. Essa é uma das razões pela qual o geógrafo Milton Santos identificou esses espaços como meio técnico-científico-informacional. Essa é a tendência para a qual caminha a organização do espaço geográfico. Em outras palavras, o espaço foi transformado em um grande sistema técnico com alto teor de ciência e informação.
Sem esse entendimento do espaço como sistema técnico, ao mesmo tempo suporte e condicionante das interações socioeconômicas em um dado território, as análises geográficas ficam empobrecidas. Fecha-se a porta para se perceber modificações que esse aumento de tecnologia produz no espaço geográfico, alterando a nossa própria percepção de tempo e de espaço. Tem-se a sensação de que o espaço estaria "diminuindo" - pois as velocidades para percorrê-Io e travar relações são enormes, atingindo em alguns casos a instantaneidade- e de que os tempos de hoje estão acelerados, estabelecendo, de certo modo, uma tirania da rapidez. Mas por que tirania? Porque os meios para atuar com maior rapidez nas relações socioeconômicas são acessíveis a poucos, sendo, portanto, fome de poder e dominação.

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